Entrementes
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#79 | Faço terapia e não melhoro
Uma conversa para aliviar quem fica aflito ao perceber que, mesmo com #terapia, tem sofrimentos que não acabam.
A psicologia crítica procura resgatar a consciência de que um indivíduo vive sob estruturas sociais. É correto dizer que uma mulher que sofre de ansiedade por viver oprimida em uma família machista tem um problema de transtorno mental? Ou o problema, na verdade, está fora dela e somos nós que nos acostumamos a focar só no indivíduo?
Ouça o papo com o psicólogo e pesquisador de epistemologia André Lombardi, do @lablabirinto (tem que seguir!)!
Aparte: Maria Rita Kehl, no Café Filosófico
Produção: Baioque Conteúdo
Roteiro e apresentação: Luiz Fujita Jr
Coordenação geral: Tainã Damião
Redes: Tainah Medeiros
Edição: Amanda Hatzyrah
Trilha sonora: Paulo Garfunkel
Instagram: @entrementespodcast
YouTube: @entrementespodcast
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Luiz
Olá, sejam bem-vindos ao Entrementes, nosso podcast de saúde mental contra o estigma. Eu sou o Luiz Fujita e esse é um daqueles episódios que eu adoro fazer porque é um convite a mudar o olhar, né? Às vezes tem uma coisa sobre a qual a gente pensa, pensa, pensa, e aí vem uma sugestão pra mudar o ângulo de visão, levar uma coisa em conta, dar uma calibradinha ali na luz, né? E a gente percebe alguma coisa que não enxergava antes, e aquilo faz toda a diferença pra como a gente encara aquele assunto que vinha atormentando a gente, né? A gente que de alguma forma acompanha o universo da saúde mental percebe um aumento de interesse nesse tema. Mais pessoas hoje em dia sabem sobre transtornos, produzem-se muito mais conteúdo sobre saúde mental, as pessoas conversam sobre isso, fazem terapia. Tem uma bolha que até coloca nos aplicativos de relacionamento, né? Eu faço terapia, então é uma coisa... Estou inteirado aí das últimas coisas boas de se falar sobre si mesmo, né? E provavelmente vocês aqui do Interimente são essa pessoa, né? Não essa que coloca a terapia na bio, mas vocês ouvem o nosso podcast que é sobre saúde mental, devem seguir outros conteúdos sobre esse tema, não tem preconceito com medicação, né? Uma coisa que a gente busca sempre quando é o caso. Procuram se autoconhecer e fazem terapia, né? A bendita terapia. E mesmo assim, pode ser que muitas vezes venha um pensamento, pô, eu faço tanta coisa pra cuidar da minha saúde mental e ainda assim, tem um sofrimento que persiste, né? Eu não tô falando aqui de buscar uma felicidade plena, aquela coisa permanente que a gente quer, um ideal de um paraíso, acho que a gente já passou do ponto de achar que esse é um objetivo legítimo, né? Mas se fazer uma avaliação real e honesta, né? Pô, eu faço tanta coisa, pego ali, gerencio meu estresse, faço terapia, tenho um lazer de vez em quando, né? E tenho uma carga de sofrimento que eu acho que tudo isso que eu faço devia conseguir aliviar um pouco mais, né? Será que eu tô sendo incompetente? Será que eu preciso mudar de terapeuta? De quem que é a culpa, né? Por essa coisa do sofrimento continuar, né? A gente vai colocar hoje um ponto de vista que deve ajudar a esclarecer porque que isso acontece e fazendo esse esclarecimento eu acho que vai ajudar muita gente a aliviar um pouco dessa própria carga que costumam sentir e continuam sentindo a despeito de fazer tanta coisa de autocuidado. A nossa conversa é com o André Lombardi que é psicólogo e pesquisador de epistemologia e vocês vão ver ele é muito preocupado em fazer uma psicologia crítica, né? Pegar todas as ideias que geralmente acabam vindo quando um assunto começa a ser massificado Muitas ideias de senso comum acabam se estruturando e a gente vai, naturalmente como leigo, adquirindo aquilo. E o André tá aí pra sempre colocar, opa, tem isso aqui pra pensar também. Obrigado por ter topado falar com a gente, André.
André
É um prazer, tô animadíssimo pra conversa.
Luiz
Antes de entrar no assunto propriamente dito, que ele veio a partir de um post seu, o André tem um perfil no qual ele fala, transmite informações sobre saúde mental, que chama Lablabirinto, e esse Lab é o B mudo, termina só no Lab, e a partir de um post dele foi onde a gente teve a ideia de trazer essa pauta. Como tem a ver com saúde mental, eu queria que você, André, fosse o responsável por esclarecer uma coisa que às vezes já apareceu aqui no episódio. Às vezes vem um profissional e fala que uma das especialidades dele é saúde mental. E aí pra gente é uma coisa muito estranha, porque, ué, mas o cara é psicólogo, né? Ué, é como falar, parece que alguém, ah, sou médico e uma das minhas especialidades é saúde humana, sabe? Uma coisa assim, ué, saúde mental faz parte do core, da essência aí do que vocês fazem, né? o que que é saúde mental, né, pra psicologia, que ela exige essa coisa que não é tudo, né, não é o que a gente fala de saúde mental, e se isso tem a ver com o que a gente vai falar aqui quando a gente vai falar de cuidar de saúde mental.
André
Eu acho que esse é um excelente lugar pra gente começar, porque já abre a possibilidade da gente botar algumas perguntas em relação a isso que eu acho que são importantes também. Eu acho que assim como muitos tipos de conhecimento, as palavras que a gente busca para tentar definir e ancorar o nosso fazer, elas são recheadas de vieses e muitas vezes elas escondem determinadas formas de olhar para o assunto. Eu posso dizer pra vocês com toda tranquilidade que eu uso o termo de saúde mental pra facilitar a conversa. Mas é porque quando eu falo de saúde mental, eu sei que as pessoas vão ter interpretações diferentes do que eu tô falando. Porque isso é dado do próprio conceito. Saúde é um conceito aberto. Se você perguntar para um dermatologista, ele vai te dar uma visão de saúde. Se você pensar para um naturalista que gosta de aerovêdeo, ele vai te dar outra definição de saúde. E eu acho que a gente tem essa tendência a tentar fechar as coisas. Eu falo de saúde e todo mundo sabe do que eu estou falando. Mas isso não é muito verdade. E mental é uma outra questão também. Porque a gente parte do pressuposto, se a gente está falando de psicologia, a gente está falando da mente. Mas mente é um termo absolutamente não definido por ninguém. Não é definido pela psiquiatria, não é definido pela psicologia, não é definido pela filosofia. E tem muitas, muitas áreas da psicologia, inclusive, que se colocam como antimentalistas. Não tem mente. Nem tem o que a gente falar de mente, porque isso não faz o menor sentido. Mas como a gente tem uma massificação deste conceito e quando eu uso esse termo eu consigo muito rápido colocar as pessoas pelo menos no campo daquilo que eu tô falando, eu acho que ajuda muito. Mas eu, particularmente, não gosto de usar o termo de saúde mental. Quando eu estou conversando com as pessoas, eu uso o termo sofrimento emocional, porque eu acho que esse é o campo que a gente está falando. Normalmente, e isso já é o que a gente pode puxar para a conversa que a gente vai ter, eu acho que muitas vezes, quando a gente está falando de fenômenos de saúde mental, a gente normalmente não está falando nem de saúde, nem de mente. Então, eu gosto de usar esse termo sofrimento emocional para falar dessas coisas, mas, de fato, saúde mental facilita o processo de comunicação.
Luiz
Sim, perfeito. É, acho que faz sentido porque quando a gente pensa, agora a partir do que você falou, em saúde mental, geralmente a gente pensa em queixas, né? Coisas que estão incomodando a gente, aí faz muito mais sentido a gente falar realmente do sofrimento emocional, né? Entrando então na nossa conversa, André, nesse post que eu falei, é aqui mais ou menos na segunda metade de junho, pra quem for entrar ali no post, um post que tem uma capa amarelinha ali, você diz, eu vou falar algumas partes aqui que são quase uma transcrição mesmo do que você falou, né? Você disse que se a gente pensar em medidas de cuidado do sofrimento emocional, vão vir algumas palavras-chave, né? O que isso traz pra você? Se eu pensar em sofrimento emocional e medidas pra mitigar isso, né? Você fala que vão vir palavras-chave como terapia, autoconhecimento, autocuidado, medicação, etc. Em seguida, você vem com um balde de água fria imediatamente, assim, no slide seguinte, e fala, ó, isso aí é bom, claro, né? Mas tem um limite, né? E eles ocupam mais um espaço de redução de danos. Eu também não tô aqui pra diminuir a redução de danos, né? Esse podcast, inclusive, é partidário da coisa, não tô dizendo que é, ah, não. Então é uma coisa ineficiente, né? Longe disso. Mas a redução de danos traz esse conceito de que tem um limite, né? E geralmente a gente não acha isso, a gente acha que se fizer tudo certinho, a gente vai chegar num estado quase que de plenitude, né? Eu queria então que você desse uma geral sobre esse seu ponto de vista, né? Por que essa ideia de encarar essas medidas que pra gente são até mais naturais hoje em dia, especialmente a terapia, né? Acho que quando a gente fala de terapia hoje, ela meio que... que encarna todas essas outras medidas. É tão difícil as pessoas começarem que, se chegou nesse ponto, a gente já presume que ela faz outras coisas pra esse autocuidado que a gente tá falando. Então, por quê? Por que que tem um limite, apesar da gente falar, pô, tem que fazer, tem que fazer, como se fosse um grande bálsamo?
André
Quando a gente coloca a psicologia sobre uma análise crítica histórica de formação dela, Tem uma coisa que é muito importante de ser pontuada e que normalmente passa batido quando a gente fala sobre psicologia e terapia e a psiquiatria e esse tipo de coisa. Essas ciências, eu vou chamar de ciências do cuidado, que eu acho que é como a gente enxerga elas hoje em dia, elas não nascem como ciências de cuidado. elas nascem como ciências de controle. Então, a função da psicologia, a função da psiquiatria, a manifestação de lugares como, por exemplo, os manicômios, eles não foram criados com a intenção de cuidar das pessoas. São ciências que foram criadas com uma intenção de controle social. Se eu entender os desvios, se eu entender os desviantes, eu consigo, enfim, fazer com que a sociedade funcione do jeito que ela deveria funcionar. E isso, a sociedade como ela deveria funcionar, já é uma coisa que traz enormes preconceitos e opressões e esse tipo de coisa. E a psicologia e a psiquiatria hegemônica, esse discurso natural que a gente recebe, que a gente é muito afetado nas redes sociais, elas carregam muito essa historicidade da psicologia, não como um lugar de cuidado, mas como um lugar de controle, muitas vezes. E a gente também tem uma questão do quanto isso é potencializado pela estrutura produtiva que a gente tem. Independentemente de entrar numa discussão muito política aqui ou não, o nosso modelo de organização de, eu diria assim, social, ele é permeado por uma ideia neoliberal, por estruturas neoliberais. Um dos pontos fundamentais do neoliberalismo é entender o indivíduo como unidade máxima daquilo que acontece. Então o indivíduo vira essa estrutura superpoderosa e que tudo pode, e que se não consegue, é porque não tentou o suficiente. E a terapia, na sua forma mais hegemônica, ela conversa com esse lugar. Por isso que ela não dá conta, porque ela coloca o indivíduo como essa coisa sem limite, super poderosa, que dá conta de tudo. E você tem falas, por exemplo, se a gente for olhar a Margaret Thatcher, que é um exemplo muito grande do pensamento neoliberal, ela vai dizer com toda tranquilidade, não existe sociedade. Então eu acho que quando a gente olha para determinadas tradições da psicologia, existe uma descontextualização do sujeito, como se ele vivesse num vácuo, como se não tivesse um mundo lá fora. E aí a gente tem uma responsabilização e uma individualização desse sofrimento. Então se eu sofro é porque tem alguma coisa de errado comigo, porque eu não estou fazendo alguma coisa direito. E isso não funciona? A gente tem um contexto, a gente tem uma historicidade, a gente tem uma política, a gente tem questões econômicas, questões materiais, e que muitas vezes, em muitas linhas e para muitos profissionais, isso é colocado de lado. E mesmo aqueles profissionais que não colocam de lado vão ter um limite de atuação dentro desses problemas. porque essas estruturas são difíceis da gente atuar contra elas ou com elas nesse nível individual. Portanto, tem um limite. Tem um limite do que a gente pode fazer. E aí eu concordo plenamente com você que você falou. Isso não significa que processos de mitigação desse sofrimento, de redução de danos desse conflito entre aquilo que a gente precisa e as estruturas que nos impedem de alcançar isso, que esses processos não sejam importantes. Eles são fundamentais. Eles só não são suficientes.
Luiz
Você pode, André, tornar mais palpável para a gente, citando algumas das coisas que não diria que estão fora de alcance, porque acho que de alguma forma isso chega... a gente vai falar um pouco mais à frente sobre realmente o papel de uma psicologia mais alinhada com a consciência dessa vivência coletiva como algo que deva ser considerado, né? Mas alguns exemplos do que geralmente não é levado em conta e que impacta diretamente o indivíduo.
André
Cara, eu acho que toda a nossa estrutura é material mesmo, sabe? Então, se você for olhar, a gente tem, nos últimos 20, 30 anos, um aumento grande de diagnósticos como, por exemplo, ansiedade e depressão, certo? E muitas das discussões que a gente vê em relação a isso, vão pra lugares como, por exemplo, ah, se você tem um nível de cortisol muito alto no seu sistema, isso é um fator pra ansiedade. E aí o que a gente precisa fazer pra resolver esse problema? A gente precisa produzir medicamentos que vão reduzir o seu nível de cortisol no sangue. Tá, mas por que você tá com um nível de cortisol no sangue? Porque eu não consigo pagar as minhas contas, entendeu? Porque eu estou num processo de insegurança alimentar, porque eu faço parte de uma população vulnerável e eu tenho que lidar com um tipo de discriminação numa estrutura cotidiana. E aí a gente acaba criando coisas que essas nossas estruturas, elas acabam não resolvendo. Então, por exemplo, um dado interessante, depois eu posso te passar as referências, mas o Conselho Britânico de Psicologia lançou em 2018 um novo jeito de a gente olhar para esse fenômeno do sofrimento emocional. Não tem uma tradução para o português ainda, mas o nome desse framework é Power Threat Meaning Framework, ou seja, poder ameaça sentido. É um framework de poder ameaça sentido. E eles fizeram um compilado de várias pesquisas. E aí, por exemplo, uma das pesquisas que eles colocam é um imigrante num bairro majoritariamente de pessoas que nasceram no país tem mais chance de ser diagnosticado com esquizofrenia do que um imigrante que mora num bairro de imigrantes. Porque aquela tradição cultural fora de um contexto soa como uma coisa dissidente que precisa ser diagnosticada. Entendeu?
Luiz
É lido diferente.
André
É lido diferente. Então a gente tem essa questão de que tem todos esses vieses da própria ciência, do próprio olhar pra como a gente vai olhar pra essa questão da saúde mental, entre aspas, que faz com que a gente sempre caia nesse lugar. Como é que eu resolvo na pessoa? E na pessoa, é isso, tem coisas que podem ser feitas. Mas a nossa totalidade não acaba na gente. A gente tem um contexto, a gente tem uma história, a gente tem uma política, a gente tem tudo isso ao nosso entorno.
Luiz
Agora, André, como é que isso, pensando... não exatamente a advogada do diabo, mas é uma dúvida real. Essas coisas não acabam chegando pensando em alguém que toma essas medidas que a gente falou? Elas, essas agruras, essas aflições, não acabam chegando, mediadas, né, que seja pelo próprio paciente, mas ele não acaba levando isso para a terapia e isso acaba sendo trabalhado? Por que você diz que isso tem um limite, porque é como se ficasse lá fora, sabe? Não é no indivíduo.
André
Porque isso nem sempre acaba sendo trabalhado, entendeu? Essa é uma questão significativa. Então, por exemplo, se o profissional que está atendendo estiver muito fechado no modelo diagnóstico, e eu já recebi muitas pacientes com uma história muito semelhante a essa. Então, por exemplo, você tem uma mulher dentro de uma estrutura familiar e essa mulher tem que lidar cotidianamente com a posição reacionária da própria família e uma visão machista da própria família. Certo? E essa mulher começa a desenvolver uma postura combativa a essa estrutura reacionária. Fala assim, não, eu não quero ficar nesse lugar. E começa a dar combate. Fala, não vou ficar nesse lugar, não quero ficar nesse lugar, não vou. Essas mulheres têm uma chance altíssima de serem diagnosticadas como borderline. porque ela vai chegar no consultório com a demanda da família, e se o profissional que está atendendo não tem uma reflexão crítica a respeito dos próprios valores que ele traz com ele para o consultório, essa visão sistemática do que é o machismo, do que significa ser a mulher numa estrutura patriarcal, vai passar batido. E essa mulher que tem essa tensão sistemática em relação à família e que não tem nada de errado com o comportamento dela, ela tá reagindo a uma circunstância. Ela tá reagindo, inclusive, de uma forma muito adequada a uma circunstância muito violenta. O que vai acontecer com esse corpo? Ele vai ser domesticado. Ele é o problema, o corpo é o problema, a mulher é o problema. e a gente precisa dar medicação pra ela pra que a gente não precise lidar com essa estrutura doente. Então, nem sempre isso chega. Nem sempre. Essa é uma questão. Esse é um problema, inclusive, que a gente tem quando a gente vai... De novo, tem um olhar cada vez mais técnico pras coisas e vai perdendo um pouco essa crítica, que esses vieses, eles não são revelados ou eles são justificados de uma forma técnica e são deixados de fora.
Luiz
Eu imagino, André, que... Tentando fazer aqui um recorte do Brasil, né? essas desigualdades de gênero, de raça, de classe, né? Conhecendo o Brasil, a gente imagina que sejam grandes coisas que estão aí nesse campo que você falou, que trazem esse contexto de vida da pessoa e que muitas vezes são mal trabalhadas numa terapia. Você podia citar algumas outras? Porque essas acho que vêm de imediato, né? A gente aqui até já recebeu pessoas que A Diana teve uma iniciativa incrível de, na pandemia, recrutar psicólogos para prestar serviços de terapia em periferias do Rio. E ela mesma tinha uma história bastante impressionante da busca dela. Ela falou, putz, eu só consegui encontrar alguém que me satisfizesse como terapeuta quando foi outra mulher negra. Isso tendo passado por vários outros profissionais. Ela falou, meu, acho que terapia não serve pra mim. A pessoa começa a chegar nessa conclusão. Tem alguns que você diria que saem dessas grandes categorias de classe, gênero e que estão aí no Brasil e que normalmente fazem parte da história de uma pessoa e que bate nessa coisa de, puta, aí vai tratar o indivíduo como se ele fosse problema e não necessariamente. É a estrutura.
André
Eu acho que tem uma coisa que eu queria falar antes, que é, tem uma frase, quando a gente olha pra esse lugar de reframe do problema, da questão do sofrimento emocional, que eu gosto muito, que é, pessoas não são o problema, o problema é o problema. E eu acabei de fazer um post falando sobre isso, né? Eu gosto muito dessa ideia de que a gente não tem culpa pelo sofrimento que a gente tem que perdurar por causa dessas estruturas que colocam a gente nesse lugar, né? Mas a gente tem uma responsabilidade em cima disso. A gente precisa falar sobre essa responsabilidade. Então, por exemplo, um homem que tem um discurso machista, ele não é o machismo. Então, o problema é o machismo, certo? E a gente precisa encontrar estruturas para lidar com isso, né? Mas ele tem uma responsabilidade sobre aquilo que ele está reproduzindo, certo? Só que daí, quando a gente muda esse refrênio de que tipo... o problema é o problema, que as pessoas não são o problema, a gente tem que entender que a gente precisa desenvolver uma conexão em relação a essa pessoa. Então eu acho que tem uma questão de valorizar as nossas relações, de intensificar processos comunitários, de procurar processos coletivos de envolvimento nesse sentido, Eu acho que muitas vezes nos aliviam muito mais do que esse caminho individualizante desse autoconhecimento nesse sentido mais hegemônico, mais batido que a gente tem. Para mim, tem uma coisa muito... Eu acho que todos os itens que tem ali são interessantes se cada um deles dá uma fala significativa. Mas tem um, especificamente, que eu acho que diz muito sobre esse lugar desse sofrimento, que é uma das coisas importantes para a gente pensar a saúde mental e como lidar com o sofrimento emocional é a agência que a pessoa tem para poder dar sentido para as próprias experiências e a autonomia que ela tem em relação ao próprio corpo. E eu acho que isso é uma vivência que nos afeta no sentido negativo, de a gente não ter a capacidade de dar a gente sentido para a autonomia do nosso corpo, E eu acho que essa é uma vivência de interseccionalidade, sabe? Porque, por exemplo, até uma pessoa que está num lugar supostamente, entre aspas, privilegiado, porque também eu acho que essa palavra perdeu um pouco o sentido, Você tá falando de um homem branco, hétero, rico. Essa pessoa, por mais que ela tenha um lugar de privilégio, ela não tem autonomia para descrever o próprio sentido da vida dela. Tem uma cartilha de como você precisa ser um homem branco, hétero, rico. E se você não se adequa a essa cartilha, você não participa do grupo. Você vai ser excluído. Então, a gente tem que, muitas vezes, ceder a estruturas normativas que não fazem sentido para a gente, que não dão conta da nossa totalidade, para poder participar de determinados grupos de suporte. Eu acho que o diagnóstico, muitas vezes, leva a gente desse lugar. Então, nesse sentido, eu posso estar vivendo por uma experiência de sofrimento muito aguda. Se eu não comprar a estrutura psiquiátrica de que esse meu sofrimento agudo se chama depressão, eu não vou ter acesso à ajuda. Então, a gente não tem a capacidade de produzir sentido para as nossas experiências, porque a nossa sociedade é permeada por desequilíbrios de poder. E criar sentido significa que você tem que ter algum tipo de poder institucional para você poder dizer para as pessoas, olha, sua experiência só funciona dentro da sociedade se a gente entender o sentido dela dessa forma. E a partir do momento que você tem que se adequar a isso, você perde a autonomia a respeito do seu próprio corpo. Porque se você pensar nesse desequilíbrio de poder biológico, ideológico, e tem um poder judicial também. Então, a falta de controle a respeito desse próprio sentido abre uma margem, por exemplo, Deu perder a possibilidade de falar sobre o meu próprio corpo, porque judicialmente eu não tenho competência pra isso.
Luiz
É um negócio cruel, né? Que entra num circo.
André
Exatamente, exatamente, sabe? Então eu acho que tem uma questão muito importante da gente olhar pra essas coisas, e esse ponto sobre uma das questões importantes pra nossa saúde, pra gente lidar com sofrimento, é a gente ter essa autonomia, a gente ter essa agência, a gente ter esse controle. E eu acho que a gente tem estruturas muito significativas que afetam a todos, que roubam a gente essa possibilidade de fazer isso.
Luiz
André, levando em conta esse Brasil que a gente viu hoje, né? Acho que a gente concorda, né? E tá no mesmo campo ali de pensar a psicologia dessa forma, a saúde mental dessa forma. Eu, no meu lugar de leigo, obviamente, mas, né? Abraço muito essa ideia que você coloca. Como você vê no Brasil agora, essa ideia do indivíduo, né? Como célula máxima, digamos ali, que é uma coisa tão antiga, né? Pelo menos pra nós que compartilhamos dessa ideia, como você citou a Thatcher, né? Já há anos, décadas. Hoje, apesar disso, parece ser uma ideia abraçada por muita gente e trabalhada politicamente para reforçar essa visão. Como é que anda a sua esperança de que esse resgate da importância do coletivo chegue em consultórios ou na visão das pessoas delas serem um pouco mais abertas a essa visão de mundo e até entre profissionais?
André
Essa é uma pergunta que tem muitas camadas, mas eu acho que tem algumas coisas que são muito significativas para a gente olhar para isso com um olhar de uma certa forma esperançoso ou entender que a gente tem coisas que são muito interessantes aqui no nosso contexto. A gente tem um sistema universal de saúde acessível. Tem um milhão de críticas que a gente pode fazer, ele de fato não dá conta dele, mas ele existe. E o HAPS e o CAPS, que são os serviços que cuidam dessa parte, são estruturas que propõem um tipo de atendimento que é o ápice do entendimento de uma saúde mental inclusiva, justa, que promove autonomia. Eu quero usar a palavra radicalidade na nossa estrutura de atendimento em serviço social. No sentido, de novo, lembra que a origem da palavra radical é raiz. Então, no sentido de que eu acho que é uma estrutura que, de fato, consegue olhar para questões da raiz do problema. Então, eu acho que a gente tem uma estrutura muito interessante e a gente tem uma tradição muito interessante. O movimento anti-manicomial no Brasil tem uma força muito grande. A gente tem figuras muito importantes, a Nise da Silveira, por exemplo, que é uma pessoa muito importante em relação a isso. Então, eu acho que a gente tem todos os elementos para que isso floresça dentro do nosso contexto. Agora, é óbvio que o discurso hegemônico sempre vai estar ali gerando um atrito em relação a essas coisas. E eu acho que tem uma coisa super importante e que é super honesta, que é super genuína, que é as pessoas querem pertencer. Ninguém quer fazer parte da dissidência, sabe?
Luiz
Sim.
André
Ninguém quer... As pessoas querem fazer parte do grupo. Porque a gente precisa dessa validação coletiva. Eu tenho lugar nessa comunidade, nesse ambiente.
Luiz
Mesmo a dissidência forma um grupo.
André
Mesmo a dissidência... Claro, tem o jeito certo de você ser dissidente. Porque se você não for dissidente do jeito certo, você vai ter problema também. Então, é natural que o indivíduo queira ocupar... É um lugar mais fácil entre um milhão de aspas. Eu acho que tem... pelo menos ele é mais validado socialmente nesse sentido. Então, claro que a gente sempre vai ter esse conflito, mas eu acho que a gente tem uma estrutura de saúde, uma estrutura histórica e pensadores muito importantes para a gente construir outros caminhos aqui dentro também. Então, é um momento difícil, tem questões muito complicadas para a gente lidar, mas eu entendo que a gente tem o arcabouço para lidar com isso.
Luiz
E aí, André, já partindo até para a parte final da nossa entrevista, você mencionou ali aquele estudo britânico, que foi de onde saíram algumas coisas. Achei bastante interessante você colocar, inclusive, no post, o que eu acho importante, porque não é que eu tirei da minha cabeça que é importante ter amigos, alguma coisa assim. Você poderia falar um pouquinho mais? Achei interessante esse estudo que traz tanta coisa que a gente fala, pô, isso aí é tão importante e a gente meio que toma como banal do cotidiano e não leva em conta, de fato, para avaliar nosso sofrimento.
André
Então, eu acho que tem uma coisa que é, e essa é uma posição que eu acho que é importante pra todo mundo que lida com saúde mental, que é pra quem participa dessa discussão e pra quem tá olhando pra isso, é claro que o modelo que a gente tem de diagnóstico não dá conta do problema. Ele não resolve. Ele pode mitigar, ele pode oferecer alguns esforços, mas em muitos casos ele agrava a situação que a gente tem também. Então existem muitas experiências, existem muitas pessoas que estão tentando olhar para um outro jeito de pensar a saúde mental, muito nesse lugar de respeitar essa autonomia das pessoas em muitos lugares. E aí tem modelos que vão distoar mais do modelo diagnóstico e modelos que vão distoar menos. Eu acho que A proposta mais estruturada, mais organizada e ao mesmo tempo mais distante do modelo diagnóstico é essa estrutura postada pelo Conselho Britânico de Psicologia, guiado por essa psicóloga chamada Lucy Johnston, que é o Power Threat Meaning Framework, que é o resultado de um estudo longo de uma nova forma de olhar para o sofrimento emocional sem patologizar ele. Então ele tem uma premissa que é dizer o seguinte, tudo que a gente chama de sintoma e doença são pessoas reagindo de forma perfeitamente normal, Há situações que são muito anormais. Então a gente precisa incluir essas pessoas até para poder devolver autonomia para elas nesse sentido. Porque muitas vezes, inclusive, o sofrimento emocional de alguém que tem o diagnóstico não tem a ver sobre a experiência individual de viver com aquele diagnóstico. Mas o encontro que aquele diagnóstico tem com estruturas sociais que não cabem, onde aquele diagnóstico não cabe. A gente precisa olhar. A gente precisa olhar para isso. E eu acho muito legal porque todo esse documento que é muito bacana de ler, ele tem duas propostas que são muito interessantes. Primeiro, ele foi desenvolvido por psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e usuários do sistema de saúde. Então, todos eles tiveram uma voz e um peso igual na formulação do entendimento desse sistema. E tem toda uma parte da psicologia muito interessada nisso. Hoje em dia, a gente tem uma coisa muito forte chamado Mad Studies. que são as próprias pessoas que passaram por situações de violências. A gente tem esse contexto das violências psiquiátricas falando sobre a própria, entre aspas, loucura, que é uma fonte muito interessante de a gente olhar em relação a isso. É um grupo de estudos que formulou esse documento, que tem essas vozes múltiplas e que tem um olhar sistêmico, porque como Inclusive o nosso SUS tem muito do modelo de atendimento de saúde pública da Inglaterra, a nossa base é mais ou menos essa. Então o olhar para como aplicar essa situação é social, é pública. Então ele é um documento que diz como a gente pensa isso para a nossa sociedade, não tanto como a gente leva isso para o consultório, o que é até um problema para mim fazer essa tradução. Sim. Eu estava falando, é um desafio de vez em quando transpor isso para a clínica. E eu acho que é um desafio lidar com todo esse material no geral, porque isso foi publicado em 2018. Então a gente está falando de uma coisa que tem seis anos, sabe? E que não tem uma proposta, eu acho que essa é uma outra coisa legal, de se colocar como aqui, esse é o método, está fechado, está resolvido desse jeito. Tipo assim, olha, a gente conseguiu construir esse arcabouço teórico, epistemológico, a gente conseguiu dar uma ideia mais ou menos de como a gente pode abordar isso, vamos trabalhar juntos. Agora, como é que a gente aplica isso em outros lugares e tudo, de outras formas? Já tem o pessoal levando isso pra educação, por exemplo, pra como pensar isso de um ponto de vista educacional. Então, eu acho isso super importante e me preocupa muito quando eu vejo discussões na internet de pessoas que fazem uma crítica ao DSM, essa visão patológica. Muitas vezes os comentários de próprios profissionais da saúde ambiental é tipo assim, isso é anticientífico, você não pode criticar um negócio. Eu falei, gente, a partir do momento que você pega um negócio e tem um comprometimento dogmático do negócio, a partir do momento que você parou de estudar para saber se tem outro jeito de olhar para o negócio, sabe? Outra forma de pensar esse problema. Desculpa, né?
Luiz
Parou a ciência, né?
André
Quem está sendo anticientífico é você, meu amigo. Vamos lá, né? E eu não tô falando de um negócio que foi formulado pelo Joãozinho Zezinho. É um calhamaço publicado pelo Conselho Britânico de Psicologia com aval, baseado em parâmetros da Organização Mundial de Saúde da ONU. Não é brincadeira o negócio.
Luiz
Eu te falei que a gente tem uma boa parte do público que eu percebo, nunca contei de fato, acho que nem tem como só se fazer uma pesquisa. mas que a gente vê que tem muito psicólogo ou estudante de psicologia entre o nosso público. E é um documento que é possível ser lido por esse pessoal?
André
Cara, ele é gratuito. Se você procurar Power Threat Meaning Framework, eu acho que o primeiro link do Google é a página para baixar. Infelizmente, só tem inglês e espanhol por enquanto.
Luiz
E para quem é leigo? De repente, uma curiosidade além ali que a pessoa tem é legal também?
André
Eu acho que é super legal e eu acho que como ele tem essa proposta de ser... ele tem essa proposta até de quebrar de uma coisa que muitas vezes acontece, eu acho importante a gente falar isso, quebrar a hierarquia da relação do profissional com o paciente também. Porque tem muitas pessoas que vão para a área de saúde mental pelo poder, exatamente para poder estar nesse lugar de dizer para a pessoa, não, não é isso que está acontecendo na sua vida, o que está acontecendo na sua vida é tal coisa.
Luiz
Voltando ao que você falou do controle das origens.
André
Exatamente. E a gente vê a proliferação grande disso. Então, todo mundo quer ter ali no bio do LinkedIn uma especialização em neurociências. Isso vai ajudar a pessoa a ajudar alguém em alguma coisa? Provavelmente não, entendeu? Mas ela ganhou uma autoridade, que ela pode agora, numa discussão de internet, falar assim, não, mas eu tenho uma especialização em neurociências. E daí?
Luiz
Sim. Aquele grande merda que você é advogado.
André
Exatamente, entendeu? Ou, por exemplo, acho que também a psicanálise... Porque as pessoas confundem, né? Psicanálise e psicologia, muitas vezes, é a mesma coisa, assim. Porque a psicanálise tem essa abertura que você não precisa ser formado em psicologia para ser formado em psicanálise. Então, a pessoa vai fazer o curso de psicanálise, não é porque ela quer entender, ajudar, acolher, porque ela quer até a chancela, né? Não, não. Argumento de autoridade, assim. Então, eu acho que tem uma coisa legal dessa proposta, que é tipo assim, meu, isso aqui é pra todo mundo. Isso aqui não é para o profissional, isso aqui não é para o psiquiatra, isso aqui é para ajudar você, inclusive, a refletir sobre o sentido da sua experiência. É um calhamaço, é uma pesquisa, tem um monte de coisa de epistemologia, de filosofia, mas eu acho que se a pessoa tem interesse nisso, é uma leitura possível.
Luiz
Legal, bacana. André, para terminar a nossa conversa, e até vou fazer aqui, queimar a língua. Queimar a língua não, mas vou ter que fazer uma pergunta individualizante. E assim, alguém falou, pô, ouvi, né? Fez sentido pra mim, né? E gostaria, agora, de, entre as minhas medidas ali, ter alguém que leve isso em conta, né? Buscar um profissional que tenha essa visão. Aí como é que faz, né? Tem algum jeito? Pô, vou ter que ir lá no coletivo comunista ver um profissional.
André
É! Não, imagina, imagina. Cara, eu acho que tem uma coisa muito legal a respeito disso, que é, eu não acho que esse é um posicionamento técnico, teórico. Esse é um posicionamento ético em relação à atuação do profissional. Então, eu acho que qualquer pessoa, qualquer profissional é capaz de ter esse posicionamento, independentemente da linha teórica. Eu vi essa frase uma vez, eu não vou lembrar onde, eu adoraria dar créditos, mas eu acho isso muito significativo. O grande avanço que vai acontecer no campo da saúde mental não tem a ver com neurociências, não tem a ver com inteligência artificial, não tem a ver com medicação, não tem a ver com nada disso. Tem a ver com os profissionais entenderem o papel social que eles ocupam na sociedade. Eu acho que esse é o grande salto. que a gente vai ter nesse sentido. Então, honestamente, cara, eu acho que você não precisa ter medo de perguntar para os profissionais que vão te atender como eles se sentem a respeito dessa visão de mundo, dessas coisas, porque, de novo, gente, eu preciso dizer isso, e é muito verdade, tá? A posição técnica, o manejo técnico que aquele psicólogo vai fazer com você, ele é infinitamente menos importante do que a boa conexão que você faz com aquele profissional, com o rapor. Se você não sentir seguro que você pode falar ali o que você pensa e você não vai ser julgado, Não importa a técnica que aquela pessoa tem, aquele espaço vai te fazer mal. Então, se você quer saber se o profissional está alinhado com essa visão de mundo que você tem e vai olhar para isso, pergunta. Pergunta, fala. De novo, o cara que está ali não é um deus, ele não é um mestre, ele não é um gênio, ele é uma pessoa. Ele é só uma pessoa e você pode questionar, sim, o que disse, você fala, isso que você me falou para mim não faz sentido, entendeu? Porque tem uma coisa que é importante, ninguém sabe mais sobre você do que você mesmo. E o profissional que não está disposto a admitir isso é complicado.
Luiz
André, muito obrigado de novo por ter participado, eu sempre deixo um espaço ao final para o entrevistado falar o que quiser, de repente alguma coisa que não teve oportunidade pelas perguntas, mas que você acha importante deixar, alguma dica, um conselho, enfim, uma mensagem que você acha importante falando livremente.
André
Cara, eu gostei muito da conversa, eu fiquei muito feliz. Eu acho que a gente falou sobre coisas muito legais, eu tô muito feliz com o resultado de tudo. Vou falar pro pessoal me seguir no Instagram, pra quem quiser continuar acompanhando essa conversa, né? O meu é o arroba Lab, B mudo, labirinto, @lablabirinto. E eu acho que é isso, gente. A gente precisa ter... uma posição crítica em relação às coisas. Porque principalmente quando a gente está falando do campo da existência humana, não existe uma verdade fechada. Toda vez que alguém cravar uma coisa é desse jeito, ela deixou algum prisma daquilo de fora. Então sempre tem um espaço para falar, talvez não seja desse jeito. E é importante a gente pensar nisso.
Luiz
Muito obrigado de novo, André, pela presença. Espero ter você de novo aqui para tratar de outros termos. Esse aqui foi esse panorama geral. Então, quando a gente for detalhar um pouco mais, algum recorte, espero poder contar com você de novo.
André
Estou 100% disponível. É só chamar.
Luiz
O Aparte hoje é da Maria Rita Kehl, num evento do Café Filosófico.
Maria Rita Kehl
Crianças abandonadas não são necessariamente as crianças cujos pais não estão o tempo todo em casa para cuidar, ou os filhos de mães solteiras, ou os filhos de pais separados. Crianças abandonadas, a meu ver, e a gente vê isso no consultório, a Julieta deve ver mais que eu, que atende crianças, são as crianças cujos pais não se responsabilizam pela dura tarefa de impor limites a elas. Essa é uma tarefa difícil, principalmente na sociedade de consumo, principalmente numa sociedade em que usa a criança como um isca pra vender de tudo e que a criança vira uma máquina de eu quero, eu quero, eu quero, eu quero. É o ar que ela respira na sociedade de consumo. As crianças que são entregues à sua própria voracidade, que é própria da criança, em si não tá errado uma criança ser voraz, as crianças que são entregues à sua demanda pulsional de satisfação sem limite, essas são as crianças abandonadas. abandonadas porque elas não têm, os pais não ajudam que elas criem dispositivos psíquicos, dispositivos subjetivos de lidar com a insatisfação. Inclusive, não só de poder segurar a onda, digamos assim, que é muito bom. Não posso, eu aguento. Mas também de criar outros, a imaginação, a brincadeira, o que a gente chama de sublimação, que o Freud chama de sublimação. Sublimação é tudo que a gente precisa fazer para a vida não ficar ou muito tediosa, ou totalmente limitada às funções do corpo.
Luiz
Obrigado, pessoal, por terem ouvido mais esse episódio. Eu me interesso bastante por essa área da psicologia crítica, sigo várias pessoas que falam sobre isso, e recomendo que quem goste dessa visão também siga outros influenciadores. Tem o próprio André, que a gente falou aqui, do Lablabirinto, a Flávia, do Despatologiza, o Dassayeve, do Saúde Mental Crítica. E aí a partir do momento em que você passa a seguir esses perfis, muda a forma de você encarar tanto essa questão do sofrimento emocional individual, mas a partir de uma consciência do coletivo. Isso eu acho primordial para os nossos tempos. Obrigado gente, até o próximo! O Entrementes é uma produção da Baioque Conteúdo. Tem roteiro e apresentação minhas, Luiz Fujita, edição da Amanda Hatzyrah, coordenação geral da Tainã Damião e trilha sonora do Paulo Garfunkel, nosso querido Magrão. Quem cuida das redes sociais é a Tainah Medeiros. Siga a gente no seu tocador de podcast favorito e dê sua avaliação que as estrelinhas são muito importantes pra nós. Se inscreva no canal no YouTube, que os episódios também vão pra lá em vídeo. Siga também no Instagram, @entrementespodcast e conversa com a gente por lá, pelos comentários ou por mensagem. Um grande abraço e até o próximo episódio!